Le CORBUSIER. DIÁRIO DE VIAGEM E ARQUITECTURA
Eduardo Salavisa. Artigo publicado na revista BDJornal nº9 de Janeiro de 2006
Eduardo Salavisa. Artigo publicado na revista BDJornal nº9 de Janeiro de 2006
Durante toda a sua vida ele desenhou incansável e sistematicamente nos seus cadernos que sempre o acompanharam. Foi na sua viagem, durante seis meses e denominada “Voyage d’Orient”, na qual percorreu alguns dos países da bacia mediterrânica, sobretudo Turquia, Grécia e Itália, entre 1910 e 1911, que decidiu definitivamente ser arquiteto e de Charles-Édouard Jeanneret passou a Le Corbusier, nome que adotou e pelo qual ficou conhecido. Nesta viagem usou sempre o mesmo tipo de caderno, em número de seis, com capa preta, uns com folhas lisas e outros com folhas quadriculadas, e de formato 18x11 centímetros. Conhecem-se mais setenta e três cadernos de vários formatos, executados entre 1914 e 1964, não se tendo a certeza se correspondem à sua totalidade.
Os materiais usados eram os mais simples e práticos. A grafite, a caneta, os lápis de cor de cores diversas e por vezes, a aquarela. Além deste material mínimo transportava habitualmente um par de binóculos para poder observar detalhes remotos e uma máquina fotográfica que usou, ao longo da sua vida, como instrumento precioso que lhe permitia fazer rapidamente uma síntese do que estava a analisar. Em 1911, antes da sua partida para a viagem ao Oriente adquiriu uma máquina com bastante precisão técnica que usava, por vezes, com tripé. “O resultado era um modo conciso de ver a realidade que, de qualquer modo, era sempre subordinado aos desenhos, esboços e apontamentos escritos”2. Conciliava os vários instrumentos de que dispunha para tentar compreender o que observava, usando tanto a máquina fotográfica, como o lápis, a caneta ou as aquarelas, mas dando sempre a primazia aos registros gráficos feitos no seu diário, onde por vezes, apontava o número da fotografia que tinha tirado sobre aquele motivo. O seu modo de trabalhar fazia parte dum método preciso que aprendeu e praticou na escola de artes-e-ofícios na sua terra natal, La Chaux-de-Fonds, na Suíça, e que ao longo dos anos foi aperfeiçoando.
Na sua estadia de três semanas em Atenas fez incursões à Acrópole durante todos os dias, onde fazia registros do Partenon4 e de outros templos, a partir de vários pontos de observação e a diferentes horas e conseqüente luz do dia. Tinha particular atenção ao movimento como se percorresse um determinado percurso, que traduzia com uma seqüência de várias imagens (figs 1 e 2). O seu método de abordagem permitia-lhe, em linguagem quotidiana, “ter distintos pontos de vista” ou “olhar as coisas de cima” ou ainda “vê-las de fora” ou então, numa linguagem mais técnica, mostrar os diferentes olhares de quem planifica, de quem utiliza (o utente ou cidadão) e de quem vê como simples espectador ou apreciador de arquitetura.
Fig.1 – Atenas. Acrópole vista do exterior
Fig.2 – Atenas. Entrada na Acrópole. Plantas e fachadas de Propileus5
O seu método consistia em registrar o mesmo motivo em diferentes posições e com diferentes tipos de representação (figs 3 e 4). Ou realizava um tipo de desenho mais técnico, com vistas de cima, vistas de lado, em axonometrias (tipo de desenho mais usado, naquela altura, pelos engenheiros), ou então perspectivas lineares ou cônicas; por vezes uma vista “em corte” ou ampliação de um pormenor, quando precisava de explicar algo com mais precisão; ou ainda uma panorâmica de longe de modo a inserir o edifício observado na paisagem envolvente. Mais tarde entusiasma-se ao registrar as vistas observadas do alto, nas suas freqüentes viagens de avião, o que lhe permite descobrir, numa escala diferente, as paisagens naturais e as construídas.
Fig.3 – Pompéia. Planta e Entrada de termas
Fig.4 – Perspectiva, vistas, “corte” e medidas de uma banheira das termas
O uso do lápis de cor justifica-se quando é necessário realçar algum espaço, indicar um percurso ou transmitir alguma idéia suplementar (fig. 5). A escrita é usada profusamente, por vezes em páginas inteiras, e serve para chamar a atenção para partes essenciais do motivo analisado, para o seu modo de construção, para a cor, o material, as dimensões; faz, por vezes, a comparação, também por escrito e por desenho, com outros objetos já vistos e documentados anteriormente (fig. 6)
Fig.5 – Pompeia. Planta e interior de casa romana. Uso do lápis de cor para demarcar espaços
Fig.6 – Roma. Praça Navona. Indicação de fotografia tirada no local. Comparação entre dois edifícios
Os seus desenhos, como ele próprio reconhecia, dão acesso aos segredos de todo o seu trabalho. Não se podem considerar, nem pretendem ser considerados, virtuosos tecnicamente; eles são a expressão das suas idéias e explicam o seu processo de concepção, o seu método de criação artística. Mas para ele o mais importante de tudo é o gozo físico de se poder expressar livremente, de mover a mão à vontade sobre o papel.
Le Corbusier registrou centenas de páginas em seus cadernos de viagens. Posteriormente o arquiteto beberia na fonte de diversos desses registros em seus projetos. Os seus desenhos eram, assim, constantemente utilizados e reutilizados, mesmo passados vários anos, constituindo a sua imaginação e alimentando o seu processo criativo.
1 Taquigrafia. Processo de escrever tão depressa como se fala por meio de caracteres convencionais
especiais.
2 GRESLERI, Giuliano in Le Corbusier (2002), Voyage d’Orient. Carnets. Electa.Architecture. Milão
3 VILLALOBOS ALONSO, Daniel (2004)
4 Partenon. Templo grego (438ª.C.) integrado na Acrópole de Atenas
5 Propileus. Monumento grego à entrada da Acrópole
6 Imperador romano (século I d.C.) viajante e amante da cultura mediterrânica
7 VILLALOBOS ALONSO, Daniel (2004)
BIBLIOGRAFIA:
Le CORBUSIER (2002) Voyage d’Orient. Carnets Electa.Architecture, Milão
MOLINA, Juan José Gomez (1999) Estratégias del Dibujo en el Arte Contemporáneo,
Cátedra, Madrid.
VILLALOBOS ALONSO, Daniel (2004) Hasta los pies del Himalaya. Cuadernos de
Dibujos de Viage, Universidad de Valladolid, Valladolid
FIGURAS:
Fig.1 - Le CORBUSIER (2002) Voyage d’Orient. Carnets Electa.Architecture, Milão. Caderno 3. Pag122
e 123
Fig. 2 – Idem. Caderno 3. Pag. 106 e 107/ Fig. 3 – Idem. Caderno 4. Pag. 74 e 75 / Fig. 4 – Idem. Caderno 4. Pag. 76 e 77 / Fig. 5 – Idem. Caderno 4. Pag. 110 e 111 / Fig. 6 – Idem. Caderno 4. Pag. 150 e 151
Lisboa, Dezembro de 2005